16.7.06

os dois abandonados nas almofadas do chão, o ar carregado de vinho e de miles davis e ela querendo embriagá-lo com a vida. há muito havia tomado para si a missão de despertar os outros do sono automático para mergulhá-los na vida, não no registro daquela vida cotidiana em que todos se movem, mas na vida essencial, no coração pulsante da vida.
— é isso, estou sempre esperando pela comunhão, sabe? comunhão é momento encantado, é encontro de almas mesmo.
— mas ter comunhão com quem?
— esse alguém aparece às vezes, mas as pessoas tem pressa, as conversas são mais povoadas pelas banalidades do todo-dia, por algumas piadas e pelas novidades do mundo das coisas. comunhão só acontece quando as palavras querem falar das coisas sérias ou das coisas belas.
— e por que será que é tão difícil?
— na comunhão, é preciso se mostrar demais, mais do que as pessoas estão dispostas a expor ou talvez mais do que elas estão dispostas a enxergar de si mesmas, do mundo. comunhão fala mais de fragilidades e dúvidas do que de sucessos e convicções. comunhão fala da verdade do que você sente, pensa. e nem acho que é preciso falar de si para ter comunhão, fala-se de si falando de outras coisas, assim é sempre mais interessante.
— você ama demais as palavras, não é? a comunhão depende tanto assim delas?
— a palavra é como eu posso me mostrar para o outro, mas é verdade que a comunhão, por ser mágica, é maior do que as palavras. a vida é mais sutil do que as palavras e comunhão é acordo tácito, não se fala sobre ela, simplesmente acontece, você só sabe que aconteceu e que foi mágico.
— é como esse agora.

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