26.3.06

declaração ao cuca

cara, como eu te amo, e meu pensamento sempre te buscando. você nem sempre entende minhas teorias pomposas do ser e do viver, mas de algum modo só você sempre entende, porque vibramos no mesmo tom carregado de cansaço, de tristeza. e mesmo quando nos abandonamos em compridos silêncios, compartilhados no escuro do quarto e nas almofadas da sala, estamos juntos, cúmplices em nossas aventuras solitárias.
você sempre vem provocando minhas risadas e fazendo piadas do meu jeito arrogante, e na verdade você quer que eu te olhe para poder mostrar qualquer coisa sua para mim. eu quase sempre quero te olhar mais, sugar mais do teu eu tímido. já te disse naquele dia que você não dormiu me esperando chegar que você precisa encontrar um alguém que tenha paciência de desenterrar os tesouros guardados fundo para ninguém ver. e você gostou.
sinto saudades de seus carinhos inusitados em meu pé quando deito na poltrona e como você vem apertando minha barriga para me humilhar, e seus abraços desajeitados que nunca querem retribuir os meus. meus carinhos, você recusa, você sabe que eu só canto para você e recusa, sempre. e eu continuo cantando, sempre, só para você.

penso em você, irmão querido, penso em seus caminhos e descaminhos e quero estar sempre de mão dada contigo para te proteger. ou talvez para que você me proteja.

23.3.06

entre as coisas que detesto com força está uma certa atitude mental que considero infantilidade tardia e que emerge no tom de lamúria arrastada em conversas de bar. são reclamações infantis, pois miram no irremovível, no que é parte da essência mesma do estar-no-mundo. é como um lamento chorão que cobra do mundo tudo o que este insiste em lhe negar. e o mundo, em sua indiferença glacial, lhe deve tanto...
o que a infantilidade tardia é incapaz de enxergar é que a questão é sempre o que se pode fazer a partir dos limites do real, o que é possível construir com o que está dado no horizonte muitas vezes nebuloso do existir.


ilustrando: quanto me lamentei, e talvez ainda o faça lá no fundo solitário, ao me perceber tão pouco transparente a mim mesma e aos outros queridos, assim como ao descobrir a escassa transparência do outro diante de minhas percepções curiosas. mas não se pode fazer muito mais do que aceitar com coragem que, sim, somos seres obscuros e a incomunicabilidade permeia todas as relações
.

21.3.06

sabe, é que a verdade de um certo eu se compõe no olhar do outro e são tantos eus quantos forem os olhares dos outros. não acredito em uma luciana essencial, um eu de verdade, acredito que cada pessoa faz despertar um jeito específico de ser luciana (qualquer alguém) e, tirando as omissões e falsificações deliberadas, não há falsidades, representações, todos os jeitos despertados são momentos desse tal eu. ajo e reajo diferente conforme o outro que me olha e sei que sou sempre eu mesma.

1.3.06

no começo, a frustração. depois, o bom senso ponderando as apreciações apocalípticas de modo a tornar a vida possível.
de onde vem a frustração? certamente dos resquícios juvenis ainda resistentes ao amadurecimento, certamente da exigência da pureza de todas as coisas. pureza por si mesma fictícia, imaginada, mas desejada com a convicção das realidades sérias. não, não tenho indulgência com os rascunhos de uma pureza corrompida.
mas o fato é que a realidade é sempre menor que o sonhado, que o esperado, e é também sempre maior que o que pode ser pensado, apreendido pela razão e pela consciência. a realidade é imperfeita e misteriosa,faz troça de sonhos e racionalizações.
e então, o nó do momento: a tensão entre o esforço denão se deixar macular pela pequenez do real e a necessidade de retocar o imaginado cintilante com a tinta fosca do inelutável. diante do dilema, há o que não se negocia - a largura do olhar -, sob pena de arcar com uma vida que só pode ser menor.