20.4.06

outra fase de ficar calada, tentanto des-cobrir. não há o que dizer, por não ter nada a dizer, por ter tudo a dizer e querer ficar calada mesmo assim, por não ter vontade de dizer e brigar para poder dizer. tentando des-cobrir. o que se é, o que se quer, o que pode ainda ser mágico e te fascinar, nem sei mais e a vida na verdade é só isso mesmo e chega de se importar com. mas não, ainda não crescemos e por isso ainda me espanto com o vazio intenso. e o amor? tão imperfeito coitado, fingindo ser perfeito. aqueles amigos que me fizeram perceber que tudo o que morre, morre aos poucos. dói ainda, sempre dói, né? os outros que não morrem, mas vivem por aí, por longe. e os outros que estão tão perto que não enxergam. amo-os todos, mas não posso tocar-lhes, essa impossibilidade de dizer, e tinha tanto para dizer, uma noite inteira. e quem tem uma noite inteira para esperar?

então batem esses ventos de tristeza e você fica assim jogado, meio sem saber bem, querendo achar a saída que ainda não pode ser. a angústia aperta forte no peito e aí eu preciso explicar e me equacionar em um parágrafo qualquer. nem é só por andar de lado de um ou outro desejo frustrado, é mais. é alguma coisa que fica gritando lá dentro por um espaço no eu, mas que não dialoga com a consciência, não conhece significados e significantes e por isso está à margem do domínio do pensamento. mas continua a incomodar, a te paralisar para a vida corrente e para as demandas do outro.

9.4.06

não, não há mais heróis. os heróis viviam no alto do olimpo, junto com os deuses, e de lá se prestavam à nossa admiração, admiração essa que nos impulsionava pelo desejo de ter com eles no banquete da sabedoria e do conhecimento. naquele tempo, a luz dos heróis nos orientava pelo caminho do amadurecimento. e então, crescemos. e então, os heróis morreram de suas limitações e incertezas, tão iguais às nossas.
mas a vida continua sendo feita de encontros. encontros não com heróis, mas com vozes que não podem negar sua crua humanidade. essas vozes não iluminam o caminho, mas afastam as trevas de um ou outro pequeno cômodo. pelo diálogo – pois com heróis não se dialoga, pode-se ser apenas espectador de seus monólogos -, as vozes nos enriquecem com outros olhares, outros senões que se acrescentam ao curso do vir-a-ser. e talvez se tornam amigas.

a vida segue em seu caminho sucessivo de cristalizações e desconstruções, não sem uma dor que é dor de parto, parto do ser, do vir-a-ser. e se o que impulsiona esse movimento são as contradições, a dor nasce da negação da subjetividade dominada, conhecida, que, ao ser desmontada, leva consigo o chão que acreditávamos pisar. mas a negação abre para a superação, a possibilidade de outra forma do ser, ainda embaçada, desajeitada e mais interessante também.
de qualquer forma, dói aceitar a dor da transição, pois não há senão fragmentos onde se agarrar, ruínas do que foi arrasado pelas novas experiências e pedaços quaisquer ainda não formados. dói encarar a inadequação da velha fôrma, a insuficiência das antigas conclusões e o desconforto com o que agora nos desconcerta.
mas passada a tempestade... certamente outras virão – porque a vida de modo algum é equilíbrio - só não sei se tão fortes quanto nesses tempos de um eu mais flexível porque ainda não escavado pelo tempo.