11.9.07

e N. vinha caminhando pelo lado azul do dia, bebendo o amargo da Grande Perda. ia tentando salvar do desbotamento da memória uns detalhes, aquele sorriso, pra esconder no bolso e olhar quando surgisse a vontade de sentir de novo, como se ainda fosse vivo. porque quando a gente perde cd e chave, é um pingo de dor na hora, mas se esquece rapidinho, e eles não nos visitam nos sonhos pra matar a saudade, agora quando a gente perde gente, a dor é comprida. N. não sabia o que era perder. já tinha deixado de ganhar umas vezes, muitas vezes, mas perder perder, não conhecia. parabéns, N. descobriu um pedaço grande da vida aí, o pedaço em que se perde de verdade e não tem jeito, e agora já pode até escutar todas as músicas sobre Grande Perda que nunca disseram nada de compreensível, só exagerites, ah, vai, supera, né. não supera não, e nem quer superar, quer deixar bem vivo. mas a memória gosta da gente mais que a gente mesmo e quer nos livrar das lembranças dolorentas, aí um dia esconde aquela conversa na cama, no outro, dilui a imagem da luz da manhã no corpo sonolento e assim sorrateiramente até que N. esquece, esquece a dor, esquece o bonito que era, esquece como a vida podia ser mais. esquece. e sorri de novo sincero, peito aberto, menor, mas aberto.

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Quando N. descobriu o que era perder também descobriu que para não perder melhor era talvez não jogar. Passou-se dias, meses e anos e uma pequena tentação de comprovar dita teoria se arrastava pelo tempo perdido naquela memória desbotada e sem graça. Descobrir aquele pedaço de vida tinha feito toda a diferença. Já não estava nas mãos de N. decidir quando era o momento de apostar as suas fichas na roda da fortuna, porque aquele pedaço grande da vida tinha se encarregado de fechar a banca, o banco e a mesa. Talvez, N. imaginava que sentir a vida viva e latente dentro daquele coração tão pouco acostumado com carícias e palavras doces era de uma babaquisse passada de moda. Talvez melhor fossem palavras hostis que levantassem a bandeira de um futuro decadente e quase certo. E era um gozo. Um gozo inverossímil, mas um gozo. Um gozo pensar na existência de uma infelicidade programada no seu coração para ser sempre e completamente N. e N. Eram pensamentos nebuluduvidosos, mas que faziam companhia. A companhia certa para quem não tem outro remédio que tragar a memória ferida.
 
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